terça-feira, 21 de julho de 2009

Todos os Nomes

O velhinho é foda! A cada dia sou mais fã do Saramago. O último dele que eu li atende pela alcunha que dá título a esta postagem: "Todos os nomes". É a história de um auxiliar de escrita funcionário da Conservatória Geral do Registro Civil de uma cidade fictícia. Ficamos sabendo que o nome dele é Sr. José e este é o único nome próprio presente em todo o livro. A Conservatória Geral é a responsável por registrar, para todos os efeitos legais, as marcas oficiais da existência das pessoas por este mundo. Tão logo é expelida pelo parto, a pessoa ganha o mundo de presente e, para diferenciar-se dele, ganha um nome próprio, que - a despeito da e deliciosamente pela contradição - invariavelmente ele compartilha com muitas pessoas. Afinal de contas, mesmo Epitácios, Abelardos e Albéricos existem aos montes. Os sobrenomes seriam uma saída para possíveis cofusões e idiossincráticos encontros inesperados, mas sabemos também que mesmo eles se repetem e se combinam de maneira a nos pregar algumas das manjadas peças do acaso.
A história do nome próprio é engraçada. De tão pesada que se pode tornar a personalidade por conta de sua própria identidade, há quem prefira se refugiar - nem sempre por estar foragido pela polícia política das variadas matizes ditatoriais - em pseudônimos. Um outro português pode ser citado como exemplo: tão fracas as suas costas para aguentar o peso de sua personalidade, a combinação dos nomes "Fernando" + "Pessoa" foi, para ele, insuportável rótulo. E o poeta inventou, para dificultar seu encontro ou para compartilhar "consigos mesmos" o peso da unicidade da existência, outros tantos nomes. Só para variar.
Apesar disso, de toda nossa história, o mais que pode ficar depois de nós mesmos termos passado é o nosso nome e a obra a que ele se liga, ou não. O Registro Civil comprova e certifica que aqui nascemos, casamos (ou não) e morremos como Fulanos, Ribamares ou Asdrúbals. O que a gente fez neste interregno fica sob nossa responsabilidade, mas pouco importa para a Conservatória. Não é à toa, portanto, que o Sr. José, tomado de uma curiosidade que o tirará de sua sufocante rotina e diante de um "verbete" de uma mulher desconhecida, fará de tudo para tomar conhecimento da história que ela construiu na sua vida. E nisso ele encontra várias outras pessoas, que Saramago nos dispensa de apresentações. À exemplo do que acontece em "O Ensaio sobre a Cegueira" e em "O Ensaio sobre a Lucidez", conhecemos os personagens como "a mulher do rés-do-chão direito", "o conservador", o "oficial de registro civil", o "atendente da farmácia", a "mulher desconhecida", e assim por diante. O fato de não haver nomes não nos impede, no entanto, de conhecer os personagens. Assim como "o médico" e a "mulher do médico" ou a "rapariga dos óculos escuros", o que importa são as histórias dos personagens e o que eles fazem do contato que tem entre si quando Saramago os coloca frente a frente. Os diálogos entre desconhecidos são deliciosamente afetuosos e desconfiados, assim como é nossa vida: um misto de deslumbramente e medo diante do que fazer.
O Sr. José fica apaixonado. O amor é novamente a redenção, assim como o foi, por exemplo, na "História do Cerco de Lisboa", assim como tinha sido muito antes no "Crime e Castigo" do Dostoiévski. Mas o amor do Sr. José não é exatamente pela mulher desconhecida, mas pelo risco de encontrá-la. Ele se apaixona pela busca e treme diante da chance de de vê-la terminada.
É simples assim, como em outros livros. O que importa não é se há finais inesperados ou finais conclusivos. Os romances do Saramago não são como os livros de detetive que você "lê pelo fim", como se aquela quantidade enorme de páginas no interior do livro fosse apenas um meio para o autor nos "surpreender" com a identidade do criminoso. O que define este e outros romances do Saramago é a beleza com que ele descreve situações de vida, isto é, linha por linha, frase por frase são saboreadas em sua harmonia interna. O fim do romance não precisa ser dramático ou happy ending, pois, o fim, todos sabemos como termina: na morte. O que importa é o que fazemos antes que ela sorrateiramente nos venha puxar pelos calcanhares.


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