quinta-feira, 25 de outubro de 2007

O Risco da Sinceridade

Criscalina

Se conselho fosse bom, ninguém dava: vendia.
Mas as pessoas insistem. Não desistem: persistem.

Vítima de um complexo de fidelidade, sou fiel até à banca de revista onde compro chocolates, mesmo quando tinha de agüentar as adulações do jornaleiro que sempre entregava o troco com dois Embarés e um “apareça, lindinha”.

Eu aparecia. A salvação do mal-estar causado pela bajulação era o chocolate, consumido a partir do primeiro pé fora da banca, e os Embarés, logo em seguida, pra tirar o gosto.

De tanto voltar, o jornaleiro sentiu-se respaldado ao ponto de me dar conselhos.
Sei lá: deve ter visto um quê de vulnerabilidade no meu sorriso amarelado pelos adules.

Aproveitando um dia de infantil indecisão entre um Prestígio e dois Batons, começou:
“Tão bonitinha! Não vá deixar de estudar não, viu?”

Imersa na dúvida se, na verdade, não deveria pedir um Chokito, respondi indiferente que já estava com os estudos concluídos.

Feliz, ele:
“Muito bem! Agora, minha filha, entre na faculdade: vá correr atrás de um grau.”

Começando a me encabular, respondi, entre uma linha e outra do pedido de um Sensação, que já tinha entrado na faculdade.

Espantado, mas não desistindo de sua missão, o jornaleiro continuou:
“Já? Pois vá até o fim! Tem tanta gente que desiste no meio do caminho. Não vá desistir não!”

Completamente embaraçada, mas incapaz de mentir pra quem tanto me queria ajudar, entreguei o dinheiro, e respondi, recebendo o chocolate, já ter me formado.

Encurralado, catou um novo conselho, e falou feito um pai, num tom autoritário, quase irritado:
“Pois não vá depender de homem não! Arrume um emprego! Trabalhe! Depois, pense duas vezes antes de casar! E, olhe lá, arranje um bom marido!”

Ouvi pegando o troco. Agradeci sem conferir. Sem guardá-lo, saí.
Quando me dei conta: já tinha comido o chocolate.
E pra tirar o gosto: sequer um Ice Kiss.

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