quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Entrevistas sobre Raul Seixas

Encontrei uma entrevista sobre Raul Seixas dada por sua mãe à revista Caros Amigos em 1999. Depois, tem uma espécie de relato temático dado pela Kika há algum tempo atrás. Interessante é notar as diferenças de percepções das duas sobre a figura do Raul.

Segue lá o primeiro relato.

Caros Amigos - Como era o Raul na infância, em Salvador?
D. Maria Eugênia - Raulzito sempre foi um menino muito inteligente e travesso. Ele usava o irmão mais moço, o Plínio, para as artes dele. Tinha mania de pegar os cadernos do colégio e fazer histórias e desenhos e depois os vendia ao irmão. Isso só pela farra, pela brincadeira, porque não ligava para dinheiro. Ficou três anos na 1ª série. Perdia o ano de tanto que faltava. Fugia do colégio e ia para uma casa que chamava Cantinho da Música para ouvir Elvis Presley. Raulzito também era muito amoroso e apegado à família. Adorava o irmão.

Caros Amigos - Ele sempre teve alguma relação com a música?
D. Maria Eugênia - Sempre. Naquele tempo ele tinha um gravador de fitas de rolo e gostava muito de ouvir baião e música cubana. Dizia que baião era igual ao ritmo de Elvis Presley. Dizia que Luís Gonzaga e Elvis Presley eram muito iguais. Desde pequeno falava que um dia iria colocar sua mão no cimento, entre os artistas de Hollywood, na Calçada da Fama. Com doze ou treze anos já fazia shows no interior da Bahia. Ia de ônibus comum, ele mais os irmãos Thildo Gama e Décio. Cantavam também em um programa de calouro lá em Salvador, mas o apresentador meteu o gongo neles.

Caros Amigos - Como a senhora reagiu ao perceber que seu filho seria um artista?
D. Maria Eugênia - Era totalmente contra, Ave Maria! Meu Deus! Quem é que queria que um filho fosse artista? Naquela época, artista não tinha o menor valor. Eram boêmios e boas-vidas. Batalhei um bocado para que ele não fosse artista, eu e o pai, Raul Varella Seixas. Queria que ele fosse diplomata. Raul tinha muito jeito para isso, pois era educado, delicado, sabia falar inglês. Daria um diplomata de primeira. O consulado americano era perto de casa e ele não saía de lá, conviveu com americanos direto, a vida toda. Tinha paixão por eles. Cheguei até a mandar falar com o Itamarati, mas ele não aceitava, não. Dava bem mesmo, cantando Maluco Beleza (risos).

Caros Amigos - Mas o pai tinha uma ligação com a música, não?
D. Maria Eugênia - Tinha, gravou duas ou três músicas. Também lançou um livro de poesias e contos. Tocava acordeão em casa, mas não pensava em ser artista.

Caros Amigos - Eles tocavam juntos?
D. MAria Eugênia - Tocavam, cantavam... tenho fitas gravadas com os dois tocando e cantando juntos. Raulzito também gravou três músicas do pai, minha Viola, Lá Vai o Meu Sol e tem outra, não sei o que lá do meu coração (Coração Partido), ando muito esquecida. O Raulzito era muito inteligente, as músicas que ele fazia dava como parceria aos amigos ou mulheres com quem vivia na ocasião. Fazia isso por causa do Imposto de Renda. Inclusive o Paulo Coelho, que só dava umas pinceladas nas músicas e hoje se diz autor de muitas. É conversa fiada. Não gosto de falar o nome dele, eu tenho minhas queixas e mágoas. Paulo Coelho enganou Raulzito desde essa época.

Caros Amigos - Como assim?
D. Maria Eugênia - Paulo e a mulher dele faziam panfletos contra os militares e aproveitavam os shows de Raul para distribuir. Meu filho precisou ir correndo da casa dele para a casa de minha irmã Maria Angélica para se esconder de madrugada porque a Polícia Federal estava atrás dele. Em uma ocasião, Raulzito chegou com as costas todas marcadas, sujas de sangue. Eu não deixei ninguém ver meu filho assim, não. Falei para ele entrar no banheiro e ficar de cueca e lavei suas costas e coloquei remédio. Mas ele diz que não poderia demorar muito, porque tinha de se vestir e viajar. Paulo Coelho foi quem buscou Raulzito para levar ao aeroporto, pois os militares mandaram ele para fora, com o visto de ida sem volta. Raul passou um ano nos Estados Unidos. O pai de Edith, sua primeira mulher, colocou um detetive para procurá-lo, ninguém sabia onde estava, porque não tinha permissão de se comunicar com o Brasil, os militares eram fogo. Depois Gita estourou. Fez um sucesso danado. Gita foi que trouxe ele de volta. Os militares não tiveram jeito, tiveram que mandar buscá-lo.

Caros Amigos - O que a senhora destacaria além da inteligência de Raul?
D. Maria Eugênia - Era muita amoroso, não ligava para preto, branco, pobre, rico, abraçava todo mundo, beijava todo mundo, mesmo antes da fama. Uma ocasião, eu vi Raul fazer uma coisa que Kika (último casamento do Raul) ficou chateada. Eu, Kika, Raul e o empresário estávamos saindo de um show pelos fundos do Teatro Pixinguinha, estava um frio danado, Raul viu um velho dormindo no chão, todo lascado, tirou o casaco dele e cobriu o velho. Kika disse: "Mas você vai dar o casaco de visom para ele?" Era um casaco cor-de-rosa que ela havia comprado para Raulzito nos EUA. Ele respondeu que aquele velho precisava mais do que ele e que depois comprava outro.

Caros Amigos - Ele era sempre assim?
D. Maria Eugênia - Toda a vida. Não tinha apego a dinheiro e às coisas materiais. Raulzito não levava um tostão no bolso, e eu dizia: "Mas, meu filho, você vai sair sem dinheiro?" E ele perguntava: "Pra que eu quero dinheiro? Pagam tudo para mim, não preciso de dinheiro, não". As mulheres dele é que administravam as contas do banco. E doutor Hélio, que era advogado dele, comprava ações na bolsa tanto de São Paulo como do Rio.

Caros Amigos - Como era a sua relação com ele? Ele ligava sempre para a senhora?
D. Maria Eugênia - Ele sempre ligava para mim mesmo de madrugada e dizia: "Minha mãe, acabei de fazer um show, amanhã de manhã eu estou aí, mas não fico em Salvador, não. Vou para a chácara, não quero jornalista junto de mim".

Caros Amigos - A senhora se lembra de alguma música que tenha referências da infância e adolescência do Raul? Parece que O Trem das Sete realmente fez parte da vida do Raul.
D. Maria Eugênia - É verdade. Tínhamos uma casa de veraneio em Dias D'Ávila, a uns 60 quilômetros de Salvador. Naquele tempo, a estrada de rodagem era péssima, de barro. Meu marido era engenheiro da estrada de ferro da Rede Ferroviária Federal e costumávamos ir de Salvador para aquele lugarejo de trem, e era o trem das 7, que se chamava "Pirulito". É a saudade do trem das 7.

Caros Amigos - Tem mais alguma música que tenha relação com a infância ou adolescência de Raul?
D. Maria Eugênia - A Menina de Amaralina, mas essa ele não gostava nem de cantar. Dizia que era uma porcaria. Foi uma música que ele fez para a namorada, a Edith, que morava em Amaralina.

Caros Amigos - É verdade que ele teve uma briga com o Sílvio Santos?
D. Maria Eugênia - É, sim. Ele foi ao programa do Sílvio Santos e, quando chegou lá, abriu a capa, feita por Edith, e botou o peito nu para fora. Quando chegou no camarim, o Sílvio deu a maior bronca, dizia que era imoral ele botar o peito de fora. Aí começaram a discutir e foram aos tapas... Bem onde, hein? Porque hoje esse programa mostra tanta porcaria e mulher nua.

Caros Amigos - E quanto à relação dele com o álcool e as drogas, como a senhora reagiu e de que forma tomou conhecimento disso?
D. Maria Eugênia - Me chocou demais. Raul ligou para eu ir ao Rio de Janeiro, disse que Kika tinha sofrido um aborto e que eu precisava ficar com ela. Mas quando chegávamos do aeroporto já tinha três ou quatro homens esperando para prendê-lo. Eu perguntei por que, e a empregada dele, que eu tinha trazido de Salvador, contou que Raulzito estava metido com drogas. Depois ele começou com o álcool. Largou a droga toda e passou a beber, tirou parte do pâncreas e morreu alcoólatra. Precisei procurar um psiquiatra em Salvador, porque foi uma barra pesada o que passei. Com tudo isso, acabei ficando muito doente, muito nervosa, não dormia mais. Cansei de dar socorro, as mulheres dele me ligavam quando ele estava no auge do álcool ou da cocaína. Precisei sair de Salvador e interná-lo umas dez ou quinze vezes. Em uma ocasião, ele deu para cheirar éter e ficava doido. Ele estava casado com Kika. Nessa época, moravam no Itaim, em São Paulo, foi horrível. Ela me telefonou e disse que a situação estava péssima. Até o gato da vizinha não se agüentava em pé, o gato estava viciado.

Caros Amigos - E como ele reagia a cada internação?
D. Maria Eugênia - Muitas vezes ele nem sabia do que se tratava. Estava lá com a cabeça para outro lado... Em uma ocasião, ele fez uma comigo que foi horrível. Não queria ir de jeito nenhum ao hospital, mas o médico disse que primeiro ele tinha de tomar soro e glicose para diminuir o éter. Nisso, deu uma injeção nele disfarçada para ficar meio mole e inventou que eu estava passando mal. Precisei sair do médico de maca. E só assim ele foi ao hospital, agarrado na minha mão, com medo que eu tivesse alguma coisa. Em outra situação, Raul pegou a chave do apartamento e escondeu dentro da meia. Depois que o deixei na clínica, cadê a chave? Nada da chave, e acabei sendo hospedada pelo vizinha.

Caros Amigos - A senhora consegue identificar o momento em que a situação ficou incontrolável?
D. Maria Eugênia - Em São Paulo a coisa foi pior. Ele se achava no auge e quanto mais ele subia, mais ele bebia, mais tomava droga. Mas o psiquiatra de Salvador dizia que ele se jogou ao álcool e às drogas por trauma, paixão, porque deixou Edith. Raul a amava muito. Quando o negócio da repressão estourou e precisou ir embora, largou ela por outra, a Gloria, que vive nos Estados Unidos. Mas, além de abusar das drogas e das bebidas, ele era diabético desde os trinta anos e tinha horror a tomar insulina.

Caros Amigos - Tinha que tomar insulina sempre?
D. Maria Eugênia - Muitas vezes não tomava, dizem que ele morreu de madrugada por isso. Dalva, que era a secretária dele, contou que Raulzito não estava passando bem, dormia muito. Ele entrava em coma diabético direto, por causa da falta de insulina. Tomava da mais forte, porque a diabete dele era muito alta. A secretária avisou-me que chamou um médico, mas que era necessário fazer alguns exames na segunda feira. Porém, Raulzito falou que não ia e que queria ver a Kika. Nisso, Dalva foi embora para passar o fim de semana em sua casa e na segunda-feira, dia 21 de agosto, esperou até umas 9, 10 horas da manhã, viu que Raulzito estava demorando a se levantar, pois geralmente acordava cedo. Ela disse que abriu a porta, espiou, e ele estava deitado com o peito de fora, muito pálido. Entrou na ponta do pé e fechou a janela, ele já estava morto, mas ela não viu, fechou a janela, telefonou para o Marcelo Nova, ele não estava. Aí telefonou para o Jerry Adriani, mas o pai dele tinha morrido havia poucos dias e ela não achou o Jerry. Então telefonou para José Roberto Abrahão, um advogado muito amigo dele, que participou do disco A Pedra do Gênesis, e ele disse que ia, mas ia levando o médico. Quando o médico chegou, disse que Raul já tinha morrido, no meio da madrugada.

Caros Amigos - E como a senhora ficou sabendo?
D. Maria Eugênia - Dalva ligou para o doutor Hélio, que avisou meu filho, Plínio, que foi lá em casa com uma amiga minha, e também já tinha chamado o psiquiatra. Me deram uma injeção, colocaram-me para dormir e perguntaram se eu queria que ele fosse enterrado em São Paulo. Mas não quis, não. Disse que queria ver meu filho mesmo morto. Ele está sepultado no Jardim da Saudade, em Salvador, uma sepultura só dele, roubaram cinco lápides, foi preciso mandar pregar uma de cimento.

Caros Amigos - Dizem que no dia do enterro, em Salvador, o povo começou a levar o caixão. Como foi isso?
D. Maria Eugênia - Pelo amor de Deus! Um tumulto tão grande, quase jogam Plininho e minha neta dentro da sepultura, uma coisa horrível. Empurraram eles, todo mundo querendo pegar o caixão; eu não terminei de assistir à missa de corpo presente, meu marido já estava doente; começaram a dar murros na tampa, queriam abrir o caixão, já na hora de enterrar. Foi um horror, tinha mais de 5.000 ou 6.000 pessoas no enterro.

Caros Amigos - Seu filho virou um mito, como é isso para a senhora?
D. Maria Eugênia - É, um deus, não me largam. Pessoas do Brasil inteiro telefonam e escrevem para mim. É de Goiás, Brasília, Rio Grande do Sul, Rondônia, nem sabia que existia Rondônia, no meu tempo não havia, não. O pior é quando me ligam de madrugada, a cobrar, já pensou? Lá dos infernos, que eu não sei nem de onde estão me ligando. Eu digo: "Meu filho, eu estava dormindo, que é que você quer?" "Ah!, eu queria saber se Raulzito fazia isso ou aquilo." Eu digo: "Deixe pra amanhã, até logo". Acho que é um pessoal que está se divertindo na noite, conversando sobre Raulzito.

Caros Amigos - O Raul, além de ser um artista, um músico, mostrou uma nova proposta de vida às pessoas, por exemplo, com a música Sociedade Alternativa. Como a senhora avalia isso?
D. Maria Eugênia - Aliás, muita coisa que o Raulzito falou está acontecendo, esse negócio de aluga-se o Brasil é uma realidade. Muitas outras coisas que vemos hoje em dia ele já havia dito em suas músicas. Era meio profético, e muito inteligente.

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